A dança Cancan tornou-se popular nos salões de música na década de 1840 e
até hoje é associada aos cabarés franceses como Moulin Rouge.
É uma dança tecnicamente complicada e demanda muito esforço
físico. Seu passo mais excepcional é a pirueta em um pé, com o outro pé
enroscado nas ancas e levantado à altura dos olhos; outros passos demandam
chutes altos, voltas rápidas e movimentos largos. Acredita-se que esta dança surgiu como derivação da dança social favorita do século XIX, a “quadrille”(quadrilha). Em alta nos bailes e salões particulares de aristocratas e burgueses, a quadrilha começa a se popularizar através dos bailes públicos espalhados por Paris. Só que ao invés de seguirem toda a etiqueta e sequência codificada da dança de elite, decidem substituir o minuto de improvisação conhecido como “cavalier seul” (ou cavalheiro solo) e permitido somente aos homens, pelo “chahut” (ou desordem), repleto de saltos, piruetas e gritos estridentes.
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Porém, fomentadas pelo espírito libertador das revoluções de 1830 (“Três Gloriosos” – Nova monarquia) e 1848 (Segunda República), algumas mulheres consideradas rebeldes e insolentes, decidem lutar pelo direito de dançar a quadrilha e o “chahut” sem ser guiada por um homem, adotam pseudônimos e começam a expressar nestes locais seu engajamento político.
A Rainha Pomaré e Celeste Mogador (uma das principais influentes do Bal de Mabille) são nomes conhecidos deste movimento, quando o “chahut” passa definitivamente a ser chamado de Cancan, estas abraçam o fenômeno e, assim, ajudam a aumentar sua popularidade.
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O Cancan não parava de crescer, mantendo como quesitos as dançarinas de 1,70 m, e a arte de mexer os quadris, levantar as saias e frou-frous, exibindo as jarreteiras, encantando e provocando o desejo no público entusiasmado. Na França houve tentativas de reprimir os dançarinos de Cancan, as autoridades chegaram ao ponto de prender entusiastas, mas a dança nunca chegou a ser proibida em Paris. Em vez disso, mudou-se para o palco, onde os artistas começaram a aperfeiçoar a dança.
Um grupo de dança Cancan todo masculino foi formado em 1870, chamado Quadrille des Clodoches, mas as verdadeiras estrelas, no entanto, eram as mulheres, que dançavam rotinas solo de Cancan em palcos como o Moulin Rouge– que foi inaugurado em 1889 às vésperas da Exposição Universal.
A popularidade do Cancan foi levada a novos patamares por dançarinas como La Goulue (Gulosa), uma performer no famoso cabaré Moulin Rouge que criou os movimentos que ainda hoje conhecemos.
O interessante é que os passos do Cancan são em si, uma ridicularização dos padrões sociais, das Forças Armadas e da Igreja Católica. Não só realizavam movimentos que evocavam cruamente a sexualidade, como também ousavam a inventá-los e nomeá-los, e se apossavam de um privilégio até então, dos homens. São os nomes de alguns de seus passos clássicos: “Olá militar”, “Porte de Armas”, “Metralhadora”, “Catedral” e “Sino”.
Louise Weber (La Goulue), Jane Avril (conhecida também como Melinita – um tipo de explosivo), Grille d’Égout (Grelha de Esgoto), La Môme Fromage (A Jovem Queijo) eram as estrelas dessa época, estas enlouqueciam os espectadores roubando a cena, foram milhares de vezes registradas em pinturas e cartazes de Toulouse-Lautrec e outros artistas, e hoje são clássicas estampas dos souvenirs de Paris e dos tempos boêmios de Montmartre.
Um dos poucos homens a dançar o Cancan como profissional foi Valentin de Desossé (Valentin sem ossos), dançarino do Moulin Rouge durante a década de 1890. Mas foi outra grande dançarina do Moulin Rouge, Nini Pattes en l'air (Nini Pernas no Ar) que em 1894, foi a primeira a ensinar a dança profissionalmente.
O Cancan também foi um precursor da liberação e fortalecimento feminino. Em 1890, uma operária ganhava cerca de 2 francos por uma jornada de 10 horas de trabalho. Enquanto nos cabarés mais famosos, as dançarinas de Cancan mais renomadas ganhavam entre 300 e 500 francos por dia, muito mais que nos ateliês e lavanderias da cidade. Também pela primeira vez, as dançarinas ganhavam mais dinheiro que os dançarinos homens.
Porém estas mulheres se submetiam a difamação e a marginalização de sua imagem, pois também eram consideradas prostitutas, que vendiam seus corpos aos cabarés. Além da vida pessoal geralmente solitária e dos frequentes riscos de acidentes, num trabalho que exigia muito fisicamente.
No início do séc XX, o Cancan francês atravessa rapidamente o Canal da Mancha graças ao empresário inglês Charles Morton, que desejava expor seus conterrâneos às atitudes mais liberais dos franceses. O público inglês e americano da época rapidamente se apaixonou pela nova dança. Para eles, representava os excessos alegres da Cidade da Luz, assim como o sentimento de feliz libertação que era tão característico da Belle Époque.
Hoje, o Cancan ainda evoca a imagem de uma Paris frívola e festiva em que o prazer, a diversão e a liberdade são realçados. Entretanto a dança Cancan perdeu muito da sua natureza escandalosa, embora ainda seja considerada um pouco erótica e romântica. Poucos professores de dança social realmente ensinam Cancan, embora seja um favorito recorrente entre os grupos burlescos de reavivamento.
Glossário
Pantalettes- roupas de baixo cobrindo as pernas
Jarreteiras- liga de tecido elástico para suster as meias na perna.
Playlist no Youtube com os estilos de dança: Cancan (filme 1952) / Cancan (Moulin Rouge Atualmente)